Na entrada de Iguaraci, cidade do sertão pernambucano, a 363 km do Recife, uma placa avisa orgulhosamente: Está é a terra de Maciel Melo. Uma justa homenagem ao mais completo compositor de forró em atividade no Nordeste.
Aos 44 anos, completados em maio, Maciel Melo já entrou na história da música nordestina com o clássico Caboclo Sonhador, sucesso com Flávio José, com Fagner. Virou uma referência para onde se voltam tantos cantores do gênero, que vivem na região, ou os que emigraram para o Sul Maravilha. Xangai, os citados Flávio José e Fagner, Zé Ramalho, Elba Ramalho (que conseguiu um de seus maiores sucessos juninos com Que nem vem-vem, em 1991).
O primeiro disco de Maciel Melo, lançado às duras penas em 1989, um bolachão de vinil, chama-se Desafio das Léguas. Já na estréia o artista sabia que a caminhada não seria fácil. Um disco ousado para um desconhecido. Desafio das Léguas (que está por merecer um relançamento em CD) tem participações de Vital Farias, Xangai, Dominguinhos, e Décio Marques. Como esses medalhões da música dos sertões foram parar num LP de um novato? Elementar, talento reconhece talento. Eles gostaram, de cara, das canções que Maciel lhes mostrou.
Porém havia uma longa estrada e riscos a enfrentar. Maciel Melo enfrentou a longa e tortuosa estrada do sucesso, desafiou e venceu os obstáculos que encontrou ao longo da jornada, e chega vitorioso ao nono disco, O Solado da Chinela (VS Music).
O Solado da Chinela, a música foi inspirada, acreditem, num par de chinelos velhos, daqueles bem surrados e confortáveis, testemunha de muitas histórias. O segredo do bom criador está na argúcia de vislumbrar o universo nas pequenas coisas desdenhadas pela maioria das pessoas. Basta lembrar o épico que Zé Dantas, nascido em Carnaíba, mesma região em que nasceu Maciel Melo, criou a partir do humilde riacho do Navio.
O Solado da Chinela, o disco, mostra o artista que chega aos 40 anos, não apenas como um melodista engenhoso e letrista preciso, mas também um grande cantor, e não só de suas próprias composições. Neste disco Maciel Melo faz releituras de O Menino e os Carneiros, de Geraldinho Azevedo e Carlos Fernando, Fuxico, de Dinho Oliveira, Flor mulher, de Aracílio Araújo e Pinto do Acordeon, e Serrote Agudo, de José Marcolino (interpretada da forma como foi composta originalmente, antes de Luiz Gonzaga grava-la, um aboio, a capella), e conta com a participação do poeta popular Chico Pedrosa, em Pingo d'água, faixa que encerra o disco.
O que diferencia Maciel Melo de forrozeiros que se jactam de fazer o "autêntico" forró pé-de-serra, é, primeiro: ele não alarda que faz forró pé-de-serra, porque o faz tão naturalmente que não carece justificar isso. Segundo: porque, sertanejo, aprendeu com o pai, Heleno Louro, ou Mestre Louro, tocador de sanfona de 120 baixos, que o autêntico forró pé-de-serra não se limita à sanfona, zabumba e triângulo (um formato somente definido nos anos 40 por Luiz Gonzaga). Vale-se também violão com baixaria, sopros, cavaquinho e até banjo. Jackson do Pandeiro também sabia disso, na dúvida, ouçam seus discos dos anos 60. E por ser tão autenticamente sertanejo Maciel Melo não dispensa a guitarra elétrica, nem de reverenciar a nova música urbana do litoral, em o Coco da Parafuseta, no qual, entre citações a
Naná Vasconcelos, Rogê, Lula Queiroga, o Véio Mangaba, lembra Jacinto Silva (Coco em M), e Zé do Norte (Meu Pião).
E em O Solado da Chinela, Maciel Melo está, como sempre, muito bem acompanhado. Ao longo do disco, Spok vai esbanjando virtuosismo. Ouçam por exemplo o arraso de sax soprano do maestro em Flor mulher (além de Spok, arrasam Genaro, Quartinha, Bozó, João Neto, Zé Mário, Toninho Tavares, Juninho de Garanhuns, Vanutti, todos cobras criadas. E palmas para o coro formado por Rosana Simpson, Valkyria e Nena Queiroga).
Mas não é só a instrumentação que marca o disco trabalho de Maciel Melo. A temática de suas letras é fundamental para a continuidade do forró que teve as bases assentadas por Gonzagão. Em Maciel estão tanto as alegrias e desventuras do amor ("Vem dançar no meu terreiro/Vem brincar nesse salão/O meu amor é puro e verdadeiro/Me tornei um bandoleiro/Pra roubar seu coração", Bandoleiro), o lúdico ("Depois que inventaram a luz elétrica/Agora inventaram o apagão/Pode desligar essa molesta/Que forró só presta na base do lampião", de Forró do candeeiro), a poesia dos repentistas ("Eu quero pedir licença/Pros senhores dessa sala/Pra registrar minha fala/Dizendo um verso de amor/Sou um cantador/me casei com a saudade/Namorei a liberdade/Dei meia volta na dor", de Minha Fala, parceria de Maciel com Nico Batista. ). E por fim, mas não menos importante, o forró de Maciel Melo é feito pra dançar. O Solado da Chinela não precisa de adjetivos. Aqui não tem nada de forró pé-de-serra de ocasião, universitário da moda, moderno produzido em linha de montagem. É simplesmente atemporal, como toda grande música que se preze.
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postado por tony josé quinta-feira,17 de novembro de 2011
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
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